Neste Meio Não Está Virtude


Se há coisa com que embirro solenemente quando vou numa auto-estradas, nomeadamente nas de três vias, são os condutores que acham que a faixa do meio é que está a dar. É algo que me tira do sério e que, se me obrigar a uma natural ultrapassagem, mesmo que bem pensada mas mal executada, me pode aliviar a carteira entre 60 e 300 euros, caso opte pela solução teoricamente mais fácil e, por isso, mais desaconselhada.




Decerto que também já se deparou com uns quantos condutores que ocupam a faixa central como se fossem donos da AE e que, à excepção das autoridades rodoviárias, mais ninguém os demove! Sejam as luzes de quem circula atrás e que pede, com os mais variados graus de delicadeza, que se chegue para a direita, ou as buzinadelas com que os menos pacientes os brindam, e aí minhas amigas e meus amigos, aí é que se agarram à dita como gato a bofe, com um “passa-me por onde quiseres ó…”, atribuindo uma série de impropérios ao próprio ou a familiares que nunca viram mais gordos! 

Pois é… por essas e por outras é que, por vezes, vemo-nos brindados com desagradáveis “coimazinhas” caso sejamos ‘catados’ pelas autoridades de tráfego a encostarmo-nos à direita e consumar a dita ultrapassagem por aí, em vez de o fazer pela via mais à esquerda, a correcta. Mas a dúvida subsiste, ainda havendo muita gente a perguntar o que fazer pois, afinal, o “empata” é que está mal. Será assim mesmo? 

Segundo apurei, após contactar as duas principais autoridades de trânsito nacionais – a GNR-BT e a PSP – há dois conceitos a considerar: a ULTRAPASSAGEM e a PASSAGEM. Vamos por partes para esta questão de aparente semântica. 

Dizem os Artº 13º a 15º do Código da Estrada (CE), ajudados por toda a Subsecção II – Ultrapassagem (da Secção V – Algumas Manobras em Especial, com os Artºs 36º a 42º), que não se pode ULTRAPASSAR outro veículo pela direita, mas, lendo bem, em lado nenhum há referência a que se possa ou não PASSAR pela direita de outros veículos em auto-estrada! Confusa/o? Veja as duas infografias abaixo.


Na imagem acima temos o condutor do veículo A que acha que no meio é que está a virtude, circulando em clara infracção nessa via central quando deveria fazê-lo na via mais à direita. Depois há o seu veículo (o B na infografia), que se lhe aproxima por trás e o quer ultrapassar, manobra que implica mudanças de vias. Caso o ULTRAPASSE pelo lado direito, a/o leitor/a está a infringir as regras e incorre numa coima que vai dos 60 aos 300 euros. Tem de o fazer pela esquerda como manda o CE, atentando, nesse processo, com os veículos que possam circular a maiores velocidades nessa faixa, como é o caso do veículo C.




Então e se eu (no veículo D) vier sempre na faixa mais à direita a 120 km/h e na faixa do meio circular o A, por exemplo, a 80 km/h? Pois… é aqui que reside o busílis da questão! Se eu nunca mudar de faixa e apenas me limitar a PASSÁ-LO pela direita – nunca o ultrapasso efectivamente, pois não há quaisquer mudanças de faixa – apenas tenho que me precaver que o A não se lembre, de repente, de vir para o meu lado e provocar um acidente. Em alternativa, posso ULTRAPASSÁ-LO pelo processo aconselhado, cruzando duas faixas para a esquerda e outras tantas para a direita. Ou seja, complico bastante a minha manobra, potencialmente envolvendo várias condicionantes adicionais, como outros condutores (o veículo C). 

Tendo contactado a GNR-BT, referiu-me o Gabinete de Comunicação e Relações Públicas que “a ultrapassagem de outro veículo deve ser sempre efectuada pela esquerda do mesmo”, remetendo-me para o Artº 36º do CE, onde está “bem expressa” a regra geral aplicada, nele se referindo “inequivocamente que a ultrapassagem se faz pela esquerda do veículo ultrapassado com as excepções constantes do Artº 37º do mesmo diploma”. Reforça ainda que “a perspectiva do bom senso e da prática habitual da condução. É previsível que um condutor, circulando numa faixa de rodagem com múltiplas vias, independentemente daquela em que segue, espere à partida vir a ser ultrapassado pela parte esquerda do seu veículo e não pela direita, vigiando mais frequentemente o espelho lateral esquerdo, pois é daí que espera que possa aproximar-se um outro que o pretenda ultrapassar”. Aqui acho que isto na teoria aplica-se mas, na prática, espelhos é algo que a maioria destes condutores nem sabe usar! 

Já pela PSP falei com um graduado do Comando Metropolitano de Lisboa, aquando de uma acção daquela força num shopping lisboeta, tendo-me o mesmo reforçado que “sem qualquer sombra de dúvida, é absolutamente proibido ultrapassar pela direita sempre que haja lugar a mudanças de faixa de quem realiza a manobra, devendo fazê-lo sempre pela esquerda, nomeadamente desse tal infractor que segue na faixa do meio”. Já o passar outro condutor pela direita, sem mudança de vias como no segundo exemplo acima, aquele oficial disse: “Não considero ser uma manobra proibida mas percebo a sensibilidade do tema, para além de concordar em absoluto que a mesma poderá resultar em situações complicadas, dependendo da reacção do condutor da faixa do meio, se este, de repente, mudar para a faixa da direita. Na nossa força aconselhamos sempre os condutores a terem algum bom senso e serem cuidadosos, não devendo realizar essas manobras de ânimo leve.” 

Reforço que, apesar de aparentemente simples, as ultrapassagens são das manobras que mais acidentes provocam, caso não sejam bem sinalizadas e/ou realizadas!

Fotos: Brisa e José Pinheiro; Infografias: José Pinheiro


Em resumo, para se ULTRAPASSAR o tal veículo A que segue na via central, ambos os veículos B e D terão SEMPRE que cruzar a(s) via(s) da direita para a esquerda e daqui para a direita outra vez para consumar a dita, assegurando a sua integridade. 

Isto apesar de haver um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de Novembro de 2001, que serve de jurisprudência em situações semelhantes, se bem que o acidente inerente ao mesmo tenha tido algumas características especiais. De qualquer modo, no seu Sumário refere-se que “havendo mais do que uma faixa de trânsito no mesmo sentido, o facto de o veículo circular mais à direita ser mais rápido do que os de outra não configura ultrapassagem.” 

Para terminar e na onda desta temática do típico chico-espertismo luso, sugiro a leitura de um artigo publicado em Março último no jornal online “Observador”, da autoria de Lucy Pepper, ilustradora britânica e colunista daquela publicação, apaixonada pelo nosso país. Tem o título de “Quero-lá-Saber, a arte marcial portuguesa”. Numa palavra, Excelente!!! 

Cumprimentos distribuídos irmãmente e até breve! 

José Pinheiro 

Notas: 1) As opiniões acima expressas são minhas, decorrentes da experiência no sector e de pesquisa de várias fontes. Os restantes membros deste ‘blog’ não têm obrigatoriedade de partilhar dos mesmos pontos de vista; 2) Direitos reservados das entidades respectivas aos ‘links’ e imagens utilizados neste texto, conforme expresso.

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